O homem invisível

 

          O pinhão é uma das sementes mais exóticas que existe, a cor de ouro e o sabor são verdadeiras delícias que atraem as gralhas azuis e as pessoas, além do formato de um pingo de ouro que fomenta a imaginação dos mais sensíveis. A complexa semente da Araucária angustifólia, o pinheiro-do-paraná, é tão sagrada que muitos antigos deixavam tudo para se alimentar exclusivamente dela, amada ao tal ponto de ser adotada como o nome da própria terra. Pinhão passou a ser o nome de uma região.                   

          As crianças do Pinhão sempre se deleitaram entre os pinheiros, enchendo os bolsos da preciosa semente. Cenário fértil aos encantamentos e lendas, aos risos e sonhos das crianças no desejo de ficarem invisíveis nas brincadeiras de se esconder entre um e outro pinheiro.  

          — Fiquei quase invisível — falam as crianças eufóricas.

          Certa vez apareceu no Pinhão um homem enigmático, de aparência humilde e coração sensível, se encantou com o desejo das crianças de se tornarem invisíveis, e contou-lhas uma intrigante história:           

          “Há milhares de anos atrás havia um rei de um castelo riquíssimo, mas que se sentia muito infeliz, pois não tinha amigos verdadeiros. Todos os seus relacionamentos se restringiam aos servos mediante recompensa, ou aos nobres no trato de delicados negócios, mas nenhum deles devotava amor. Sua vida era uma constante sentinela dos embusteiros roubadores e aproveitadores, um eterno desconfiar das sombras.      

          Desgostoso pela falta de ternura, onde todos usavam uma máscara esboçando um sorriso, pensou numa forma de fugir daquela encenação e buscou uma forma para ficar invisível. Depois de muitas tentativas frustradas com grimórios de poções mágicas, orações, rituais, foi-se achar na cabana do Pajé das Matas e abriu seu coração:

          — Quero sumir do mundo, ensina-me a ficar invisível.

          O Pajé aconselhou que ele pintasse todo corpo com tinta verde, e se escondesse nas matas.  Porém lá foi visto por todos os animais selvagens: os pássaros se afugentaram, os insetos o picaram, as cobras o perseguiram, os caçadores o espreitaram...

          Profundamente melancólico com o fracasso, procurou o espírito da Grande Rainha dos Oceanos.

          — Fui verde e me escondi na mata, mas não consegui ficar invisível. Por favor, ensina-me a desaparecer.

          A poderosa Rainha dos Oceanos recomendou que ele pintasse todo corpo com tinta azul e fugisse para as profundezas do oceano. Porém lá foi visto por todos os seres marinhos: os golfinhos se assustaram, os peixes carnívoros o perseguiram, as conchas se fecharam, os submarinos o sondaram...

           Mediante mais uma decepção, procurou o grande Mago da Noite.

          — Tornei-me azul e desci até o fundo do oceano, mas não consegui ficar invisível, ajuda-se a não ser visto.

          O Grande Mago instruiu que ele pintasse todo corpo de negro e entrasse na noite escura.  Depois de pintado da cabeça aos pés, penetrou nas entranhas das noites mais negras da terra. Não demorou ser visto pelos seres noturnos: as corujas e morcegos se espantaram, os grilos pularam, os espíritos da escuridão o perseguiram, os guardiões o vigiaram...

          No auge do desespero buscou uma luz no meio da escuridão da noite, mas não encontrou mais ninguém para pedir conselho. Depois de muito esforço percebeu uma sutilíssima réstia de luz que vinha da porta que dava acesso ao dia. Ao abri-la avistou algumas pessoas miseráveis: andarilhos, doentes, viciados... que se rastejavam pelas calçadas geladas das cidades em busca de serem vistos. Ao se aproximar deles também sentiu frio, agasalhou-se com alguns sacos e pedaços de papelão, depois deitou-se ao lado deles.

          Assim, ficou invisível para os homens.”

          — E quem era aquele rei? — perguntaram as crianças.

          — Aquele rei era eu.

          E o homem sorriu, pois descobriu que era visto pelas crianças e pelos homens de coração sensível. Isso lhe bastava.