O herdeiro do rei

 

          Um rei de grande habilidade em estratégias fez um grande banquete, convocou todo o povo para anunciar a quem deixaria sua coroa quando morresse. Como era velho e não tinha filhos, não quis meramente optar por um parente próximo, mas decidiu lançar um desafio para encontrar o mais sábio do reino. O vencedor seria o legítimo herdeiro, não importando quem fosse.

          Terminada a ceia, o rei lançou o desafio:

          — A partir de agora, aquele que me trouxer o primeiro fruto de ótima qualidade, herdará meu reino.

           Começou um alvoroço no grande salão real: toalhas erguidas, mesas reviradas, somente o Zé, considerado o bobo da corte, é que ficou imóvel. Passada a ansiedade inicial ninguém encontrou fruto algum, pois o cauteloso rei cuidou para que nenhum fosse servido. O soberano vendo a confusão se entristeceu e disse:

          — Mas, tem uma condição! Terão que escolher a espécie, preparar a semente e plantar, quero o primeiro fruto de ótima qualidade produzido por um de vocês. Os  arqueiros vigiarão todo o processo.

          Saíram em desabalada correria, em menos de uma hora todos tinham plantado alguma espécie. Menos um, o Zé, considerado o bobo da corte.

          Enquanto contabilizavam vantagem, cada um cuidando do seu precioso broto, sofrendo pelo rigoroso inverno, o Zé se aquentava no aconchego do calor do fogão.

          Passou o inverno, só depois o considerado bobo da corte saiu da calmaria. Preparou algumas covas singelas e depositou umas minúsculas sementes. Nada comparável ao caroço do abacate, ou do pêssego, menor ainda que a semente da pêra, ou da maçã. Gritavam alguns: “só um tolo planta sementes mirradas”. A maioria pensava: “já temos um broto de duas ou três folhas, estamos em vantagem.”

          Se ele desse ouvidos às zombarias bem que desistiria. Mas o Zé não era assim, era forte nos propósitos, mesmo que fossem absolutamente idiotas para o resto do mundo.

          Depois de seis meses um dos concorrentes convocou uma reunião no palácio real. Todos estremeceram ainda que soubessem que árvore alguma cresce e dá frutos em meio ano, porém alguém poderia ter sabotado. 

          A cortina se abiu, as sentinelas tocaram seus clarins e rufaram os tambores, majestosamente o rei no trono proferiu palavras solenes:

          — Eu, Rei verdadeiro deste palácio, ordeno que se apresente aquele que nos convocou.

          A tensão aumentou, um suspeitava do outro. Achavam que todos estavam presentes, até que alguém percebeu que faltava um: o Zé.

          Depois entrou o Zé trazendo uma grande caixa, logo após, mais dois confrades, cada qual também com uma caixa.

          — Meu Rei! — o Zé falou respeitosamente. — Trago parte da minha colheita. Dentre as caixas poderá escolher o fruto que mais lhe agradar.

          Gritaram freneticamente: “sabotou”, “é golpe”.

          Após as sentinelas controlarem a exaltação, o rei examinou cuidadosamente.

          — As caixas estão repletas da mais viçosa produção que já vi. Por ser o primeiro e, cumprindo com minha palavra: aceito! Você é o herdeiro do rei.

          Houve desespero e revolta quando o rei revelou que os frutos eram simplesmente tomates. Protestaram todos: “o Zé conseguiu enganar o rei”.

          — Meu Rei — disse o mais revoltado dos concorrentes. — Não são frutos, são simplesmente tomates.  

          O Rei que era justo e bom, conhecedor das ciências e dos mistérios, ordenou ao conselheiro da agricultura do reino distribuir a cartilha de agricultura. Ao lerem a página dos tomates emudeceram diante da confirmação de que tomate é um fruto. Retomando a palavra o rei disse:

          — Relembro o que disse, a espécie era de livre escolha, perante a lei da minha palavra, devo aceitar os tomates.  

          — Não é justo — reclamou um concorrente. — Enquanto plantávamos com urgência, o Zé se acomodou; enquanto sofríamos de frio, o Zé se aquentou.

          — Não — respondeu o rei. — Ele traçava estratégias. Vocês por excitação se esqueceram de pesquisar as espécies: as mais rápidas, o tempo certo de plantio. O Zé passou o inverno estudando, só quando descobriu qual o mais rápido é que agiu.

          O concorrente inconformado ameaçou uma revolução caso não tivesse nova chance. Achava a decisão injusta, visto que ninguém sabia que tomate é um fruto, somente o Zé.

           O rei lançou novo desafio entre os dois. Depois da perspicácia do Zé, estava certo de que venceria novamente.

          — Eis o novo desafio! Temos três caixas de tomates, cada um deverá escolher uma, a terceira eu guardarei para o reino. Terão que descascar um a um, sem danificar a polpa nem amassá-los. Quem terminar primeiro terá a coroa. Terão meia hora para traçar estratégias...

           O concorrente pôs-se a treinar afoitamente com maçãs, peras... mas, o Zé sentou-se na escada do palácio tranquilamente.

          O rei sabia da sutileza da prova, pois os tomates são protegidos por uma finíssima película. Mãos nervosas não seriam hábeis naquela prova.

          Depois dos clarins e tambores, o rei anunciou o início da prova.

          O concorrente afoito iniciou o corte da fina película sem parar, depois de uma porção considerável descascada, espiou como estava o trabalho do Zé. Para surpresa, o Zé continuava sentado na escada. Aquilo o animou ainda mais, a ser mais rápido.

          Lentamente o Zé chegou com sua faca e começou seu trabalho. Quando o concorrente computou pouco mais da metade, o Zé anunciou o término.

          — Não entendo, comecei antes, não parei hora nenhuma, descasquei com toda força, e o Zé terminou antes!

          O Rei respondeu:

          — Enquanto você engrossava o gume de sua faça treinando em frutos inúteis, o Zé afiava no mármore da escada, deixando o gume fino como uma navalha. Sua faca com grosso gume ficou lenta, danificou a polpa, a do Zé deslizava rápido como navalha. Você não traçou estratégias.

          O Zé tornou-se herdeiro do rei. Um dia todos o chamarão de Rei Zé.