Bens espirituais

 

          Há um lindo episódio que aconteceu há séculos atrás nas terras de Santaria. Uma linda menina de aproximadamente seis anos, muito pura, filha de humildes agricultores, voltava da igreja profundamente impressionada com a pregação daquele dia. É certo que ela frequentava assiduamente as atividades da igreja, porém naquele fim de semana ficara impressionada com o pregador ao repetir as célebres palavras de Jesus: “devemos procurar os bens espirituais”.

          Na inocência infantil, passou muitos dias tentando descobrir o que eram os tais bens espirituais. Por mais que pensasse, não descobria nada “que a traça não pode comer nem os ladrões roubar”.

          Foi no frescor de uma tarde, enquanto tratava de recolher as galinhas, que apareceu no portão da pequena chácara uma senhora com longas vestes brancas, e um menino de aproximadamente 2 anos nos braços, e perguntou:

          — Você tem bens espirituais?

         A menina tremeu de susto, mas vendo que face da senhora era tão serena, logo viu que não se tratava de uma pessoa má. Mas, por outro lado, não sabia dizer se tinha “bens espirituais”.

          — Ah! Temos ovos e galinhas. Temos poucas galinhas, mas, se a senhora precisar de alguma, a mãe poderá escolher uma.  

          A senhora sorriu, pois conhecia perfeitamente aquele coraçãozinho tão puro.

           — Ovos e galinhas as raposas roubam com facilidade — a senhora falou.

          A pequena menina vermelhou, estava em apuros e pensava:

          “Ai meu Deus, o que será esse negócio de bens espirituais? Será que meu pai plantou por aqui?”

          A desconhecida ficou algum tempo conversando: perguntou se gostava da escola, se obedecia aos pais, se amava os animais... depois contou uma linda história de anjo...

          Quando a menina se deleitava ouvindo, a senhora pediu um estranho favor:          

          — Menina! Vejo que é pura e posso confiar em você. Preciso que me faça um favor.

          — Não posso fazer muitas coisas, sou pequena, mas vou tentar. O que a senhora quer?

          — Peço que cuide um pouquinho do meu filhinho pequeno, tenho que ir para o alto um pouquinho e não tenho com quem deixá-lo esta tarde. Quando eu voltar, quero ver seus bens espirituais.

          A menina ficou estupefata. Aquela história de bens espirituais preocupava cada vez mais.

          “Bola! Logo pegarei minha bola de pano” Pensou com entusiasmo olhando para a pequena criança.

          Quando se deu conta, o menino gatinhava próximo a um córrego. Correu ligeiro e deu tempo de segurar seus braços salvando dos perigos.

          “É pequeno para brincar de bola” pensou. Como não tinha brinquedos, improvisou alguns: amarrou um maço de capim com algumas tiras de pano e fez um boneco, com alguns galhos fez um carrinho, com as mãos fez estradas na areia.

          Era hora do lanche da tarde e o pequenino soluçou faminto, então a menina tirou a única bolacha do bolso matando a fome; depois ele sentiu sede, e ligeiro buscou água. Quando o sol desapareceu entre as árvores, a tarde esfriou rapidamente, vendo que os bracinhos estavam arrepiados, tirou a própria blusa e vestiu-o.

          Os dois brincaram como dois anjinhos. Quando os sorrisos ecoavam pelas plantações ouviu-se a voz da mulher voltando:

          — Você cuidou muito bem do meu filinho, agora quero ver seus bens espirituais.

          — Perdão, minha senhora!... — a menina tremia. — Eu procurei tanto esse tal de bem espiritual, porém nem ao menos descobri o que é isso. Acho que eu não possuo nenhum bem espiritual.

          — Não se preocupe filhinha, eu explico — falou a mulher acariciando seus cabelinhos para que se acalmasse. — Agora você está preparada para entender. Bens espirituais é a fome que você matou, a sede que saciou, o frio que aqueceu, os brinquedos de capim e de galhos que fez, os sorrisos no rosto do meu filhinho. Entendeu?

          — Ah, agora entendi — disse a menina sorrindo. — Bens espirituais eram as coisas que eu dei: a bolacha, a blusa, os brinquedos de capim e de galhos.

          A senhora de vestes brancas sorriu ouvindo aquelas palavras inocentes. Sábia e santa prosseguiu com a explicação:

          — Exatamente isso! Se você não tivesse dado, não seriam bens espirituais, só se tornaram bens espirituais quando você deu com amor. Isso se chama caridade. Tudo que se faz com amor para auxiliar o próximo, é um bem espiritual. Entendeu?

          — Sim — respondeu a menina fechando os olhos para meditar.

          Quando a menina abriu os olhos para perguntar quem eram, de onde vinham, tinham desaparecido sem deixar sinal.

          Passados alguns dias a menina voltou à igreja. Fitava ansiosamente as senhoras com criança pequena, uma por uma, para tentar descobrir qual delas foi a sua casa, porém chegou a triste conclusão de que não era nenhuma delas.

          Ao término daquele culto a menina estava melancólica, pois aquele mistério ficaria sem explicação para sempre. Foi aí que uma grande alegria adoçou seu coração. Na saída, ao ver na parede da igreja uma gravura de Nossa Senhora com o Menino Jesus no colo, reconheceu que era aquela mulher com aquele menino que apareceram.             

              Nossa Senhora certamente levou os bens espirituais e deixou-os guardados no céu.