A pintura

 

          Para decorar uma igreja, um grupo de devotos decidiu contratar o pintor mais sábio que conheciam, discípulo de Michelangelo, para pintar algo inusitado.  A parede atrás do altar era o espaço reservado para a grande obra, que deveria mostrar em tamanho natural, a figura de Jesus Cristo ladeado por algumas crianças.

          Logo que o sábio pintor se apresentou, começaram as frementes discussões, cada um queria que Jesus fosse retratado de acordo com sua própria convicção.

          Um dos devotos fomentava que Jesus deveria ser louro de olhos azuis, outro só concordaria se fosse moreno de olhos negros. Uns gritos de frenesi diziam que Jesus era ruivo. Ora a barba tinha que ser longa, ora mediana... Alguns dogmáticos defendiam um Jesus etéreo, que teria vindo na terra apenas com um corpo fluídico, portanto o pintor deveria pintar apenas nuvens. Um grupo divergente pretendeu dispensar o pintor, pois pregava que não se deveria adorar pinturas. Inesperadamente um pequeno grupo se formou apresentando uma nova ideologia filosófica, pregando que Jesus fosse representado por um raio cósmico vindo das nuvens. Muitas outras idéias conflitantes surgiram.

          As divergências perduraram por longo tempo, porém o sábio pintor permaneceu o tempo todo em silêncio, sentindo-se no meio de uma batalha. Qualquer que fosse a imagem de Jesus que criasse, fatalmente agradaria a uns e desagradaria a outros, causaria a fúria de alguns fanáticos descontentes e a sensação de vitória dos contentes. Inevitavelmente seria acusado de receptor de suborno para agradar a alguns.

          Depois de longo período de retiro em orações, o sábio pintor voltou e reuniu na igreja todos os envolvidos e disse:

           — Tenho a solução que irá servir a todos.

          Todas as bocas se calaram de espanto, pois acreditavam que o sábio pintor jamais conseguiria resolver aquela questão.

          Depois das saudações iniciais, todos foram dispensados, a porta da igreja foi devidamente fechada e lacrada com um forte cadeado e, o altar coberto por uma grande lona, de forma que só o pintor teria acesso à obra que estava sendo criada.

          No dia da apresentação da obra aos devotos, o pintor convidou todo mundo. Fizeram-se presentes as autoridades da cidade: a imprensa, autoridades eclesiásticas, alguns artistas, enfim, uma multidão. Afinal, o pintor além de ter um grande talento, também era famoso no mundo inteiro.
          Os convidados suspiravam de expectativa. Surpreendentemente, em vez de o sábio convidar uma autoridade para puxar uma cordinha que faria cair a lona expondo a grande obra, convidou simplesmente uma criança.

          Houve espanto dos críticos de arte, em seguida brados de toda sorte dos devotos.

          Era uma impressionante gravura de algumas crianças em pé ao lado de uma porta fechada, com um desproporcional cadeado.

         — Você se esqueceu de pintar Jesus — gritaram os devotos em uníssono.

          Houve discussões e risos de desdém.

          — Logo Jesus? Como foi se esquecer? — Continuaram a reclamar.
         Porém, um jornalista perspicaz percebeu que não se tratava de uma insensata falha, havia um sério significado oculto que não decifrou. Respeitosamente foi ao altar, tomou o microfone e perguntou:

          — Por favor, queira explicar por que o senhor não pintou Jesus?

          — A gravura é assim mesmo — respondeu o sábio pintor.

          — Como assim? — perguntaram os devotos indignados.

          — Na verdade Jesus nunca esteve dentro desta igreja. A porta representa o coração de todos vocês. No dia em que abrirem o coração, Jesus entrará. O mais importante não é pintar uma figura de Jesus numa parede para adorar, mas sim tê-Lo dentro do coração.