Dois irmãos
 

         Há tempos atrás, dois irmãos viajavam pelo mundo em busca de um bom lugar para viver. Passaram por várias cidades sem sucesso, até que passaram por uma profunda experiência quando chegaram às terras de Ipiranga do Paraná. Desceram à beira do Rio Bitumirim, junto a um povoado e, enquanto um dava água aos cavalos, o outro, aproximando-se de um velho nativo, perguntou-lhe:
          — Como é esta terra?
          — Que tipo de terra você procura? — perguntou por sua vez o nativo.
          — Quero uma que me proporcione fartura — replicou o rapaz — mas, sinto que aqui é um lugar muito difícil, estou desanimado só em ver as matas, os campos. Tingir minha face de poeira e, vê-la riscada de um suor barrento será cansativo, penoso demais.  

          — Pois aqui é igual ao que você pensa, meu caro! — exclamou o velho. — Aqui terá dificuldade, dificilmente tuas mãos se encherão de ouro, seu suor verterá, mas quem ficará ensecado será tua alma.

          Nem esperou o ponteiro dos minutos do relógio completar meia volta, subiu no seu cavalo e partiu deixando seu irmão, que demonstrava certa simpatia pelo lugar. Pensava: “quero derramar meu suor com deleites, não com trabalho”

          Em seguida aproximou-se o segundo jovem, depois de saciar a sede do cavalo, aproximou-se do ancião e perguntou-lhe:
          — Como é esta terra?
          — Que tipo de terra você procura? — como era de costume, o velho gostava de responder certas perguntas com outra pergunta.

          — Quero uma que seja abençoada, onde eu possa ser feliz e conquiste um grande tesouro — respondeu o segundo jovem.

          — Esse é um desejo muito delicado — falou o ancião. — Olhe para os lados, veja as matas, os campos, as pessoas. O que sente?

          — Sinto o cheiro das matas adoçando meu coração, as flores dos campos e das árvores fascinam meus olhos, a poeira tem o aroma da fertilidade da terra. Ah... e as moças! Que moças! São princesas de um castelo que só os poetas e filósofos sabem imaginar. Meu coração não aguenta mais, se ele pudesse, atravessaria pelas frestas dos ossos do peito só para sentir o perfume todas as árvores, de todas as flores, e diante de uma linda princesa desmaiaria num cálido beijo de amor.

          — Pois aqui é exatamente como você pensa — replicou o velho. — Com o tempo e com muito trabalho, colherá tesouros inimagináveis e será feliz.

          Imediatamente o jovem suspirou, apurou as ferramentas e pôs-se a trabalhar.

          O tempo passou e o antigo nativo se mudou para o pinheirão. O cemitério da cidade de Ipiranga é um dos locais mais sagrados da cidade, lá repousam histórias e corpos de ilustres e amados que partiram desta vida. O lendário nome de pinheirão é porque no portal principal há um imponente pinheiro. Ainda está lá! E em silêncio reverencia a triste entrega dos filhos de Ipiranga para terra. É um panteão vivo, um monumento criado por Deus que testemunha as mais tristes lágrimas.

          Muitas colheitas se passaram, muitos sois e chuvas transcorreram, até que o jovem envelheceu, seu corpo  se curvou pelo peso da idade, mas agradecido à Deus por viver uma vida intensa de felicidade.

          Mesmo com as marcas da velhice na face, nunca se esqueceu do irmão que partiu: Se era feliz, se era vivo? Não poderia saber.

          Nos fins de semana costumava se balançar na cadeira da varanda, aquecia o peito com a quentura do chimarrão. Tinha construído grande patrimônio, porém o maior de todos estava no coração: tinha se casado com uma verdadeira princesa, formou uma linda família. Observava os voos dos colibris disputando água adocicada do bebedouro de plástico. Foi num daqueles instantes que foi chamado por um mendigo que batia ao portão e lhe perguntou:

          — Que tipo de lugar é esse?

          Por aqueles olhos perdidos, pela voz vacilante, sobretudo pelos liames da alma, reconheceu seu irmão. Só depois que todas as lágrimas mescladas de alegria e dor saíram, é que continuaram a falar. Sim! A alegria da visão, mas a dor era do coração.

          — Este é um lugar das dádivas divinas — respondeu o irmão na varanda.

          — Voltei porque calquei caminhos pedregosos, tenho comido muita poeira e respirado muitos ventos em busca de felicidade. Vaguei por seis cidades pequenas, depois por mais seis grandes, mas jamais encontrei felicidade em lugar algum.

          Depois de muito conversarem, o mendigo questionou:

           — Não entendo porque aquele antigo nativo deu respostas distintas à mesma pergunta: a mim disse que aqui só teria dificuldade, mas a você disse que seria feliz.

          — Mas ele deu respostas certas, foi você que não entendeu. A pergunta foi a mesma, mas o estado de espírito era diferente, foi você que escolheu seu caminho.

          — Como assim? — o irmão mendigo ficou intrigado.

          — Na verdade ele disse que tudo depende do nosso pensamento, do nosso estado de espírito. O céu e o inferno estão dentro de você, bastando que fortaleça um deles pelo pensamento, pelas escolhas. No lugar onde você colocar seu coração, ali encontrará seu tesouro. A vida é uma estrada com milhares de encruzilhadas, cada um é obrigado a fazer escolhas a todo momento. A vida é um constante mudar de direção. Quem nada vê de belo nos lugares por onde passa, o problema não está nos lugares, mas no coração, portanto nunca encontrará beleza nem felicidade em lugar algum.

          O mendigo aprendeu.

          Infelizmente, muitos de nós só aprendemos amar, só depois de nos tornarmos mendigos espirituais.